segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Gratidão e afeto pelo Papa


Agora que nos restam poucos dias da presença visível do Papa Bento XVI, conseguimos dar muito mais valor as coisas que ele diz e faz. Normalmente é só quando as coisas passam que percebemos o verdadeiro valor, assim também compartilhamos um pouquinho do nosso Bento.
Nosso Papa está nos deixando... 
nos deixando um legado incrível, uma profundidade e sabedoria encantadora, um ministério digno de quem é o "vice-Cristo", assim como um exemplo desafiador.

Segue um dos últimos discursos dele no sábado.



Caros irmãos,
Caros amigos!
No final desta semana espiritualmente tão densa, fica só uma palavra: obrigado! Obrigado a vocês por esta comunidade orante em escuta, que me acompanhou nesta semana. Obrigado, principalmente, ao senhor, eminência, por estas “caminhadas” tão bonitas no universo da fé, no universo dos Salmos. Ficamos impressionados pela riqueza, profundidade, beleza deste universo da fé e permanecemos gratos porque a Palavra de Deus nos falou de modo novo, com nova força.
"Arte de crer, arte de pregar” era o fio condutor. Lembrei-me do fato de que os teólogos medievais traduziram a palavra "logos" não só por "Verbum", mas também por "ars": "Verbum" e "ars" são intercambiáveis. Apenas nas duas juntas aparece, para os teólogos medievais, todo o significado da palavra “logos”. O “Logos” não é somente um razão matemática: o “Logos” tem um coração, o “Logos” é também amor. A verdade é bela, verdade e beleza vão juntas: a beleza é o selo da verdade.
E o senhor, partindo dos Salmos e da nossa experiência de cada dia, sublinhou fortemente que o “muito belo” do sexto dia -  expressado pelo Criador – é permanentemente contradito, desta forma, pelo mal, pelo sofrimento, pela corrupção. E parece quase que o maligno queira permanentemente sujar a criação, para contradizer a Deus e fazer irreconhecível a sua verdade e a sua beleza. Num mundo assim marcado também pelo mal, o “Logos”, a Beleza eterna e a Ars eterna, devem aparecer como “caput cruentatum”. O Filho encarnado, o “Logos” encarnado, é coroado com uma coroa de espinhos; e ainda justo assim, nesta figura sofrida do Filho de Deus, começamos a ver a beleza mais profunda do nosso Criador e Redentor; podemos, no silêncio da “noite escura”, escutar ainda a Palavra. Crer não é mais do que, na escuridão do mundo, tocar a mão de Deus e assim, no silêncio, escutar a Palavra, ver o Amor.
Eminência, obrigado por tudo e façamos ainda “caminhadas”, ainda mais, neste misterioso universo da fé, para sermos mais capazes de orar, de rezar, de anunciar, de ser testemunhas da verdade, que é bela, que é amor.
No fim, caros amigos, gostaria de agradecer a todos vocês, e não só por esta semana, mas por estes oito anos, em que levaram comigo, com grande competência, afeto, amor, fé, o peso do ministério petrino. Permanece em mim esta gratidão e embora agora termine a "exterior", "visível" comunhão - como disse o cardeal Ravasi – permanece a proximidade espiritual, permanece uma profunda comunhão na oração. Nesta certeza avançemos, confiantes da vitória de Deus, confiantes da verdade da beleza e do amor.
Obrigado a todos.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

O Papa que sempre renunciou!



É simples assim.
O Papa renunciou a uma vida normal. Renunciou a ter uma esposa. Renunciou a ter filhos. Renunciou a ganhar um salário. Renunciou à mediocridade. Renunciou às horas de sono, em troca de horas de estudo. Renunciou a ser um padre a mais, porém também renunciou a ser um padre especial. Renunciou a encher sua cabeça de Mozart, para enchê-la de teologia. Renunciou a chorar nos braços de seus pais. Renunciou a estar aposentado aos 85 anos, desfrutando de seus netos na comodidade de sua casa e no calor de uma lareira. Renunciou a desfrutar de seu país. Renunciou à comodidade de dias livres. Renunciou à vaidade. Renunciou a se defender contra os que o atacavam. Pois bem, para mim a coisa é óbvia: o Papa é um sujeito apegado à renúncia.
E hoje ele volta a demonstrá-lo. Um Papa que renuncia a seu pontificado, quando sabe que a Igreja não está em suas mãos, mas na de algo ou alguém maior, parece-me um Papa sábio. Ninguém é maior que a Igreja. Nem o Papa, nem os seus sacerdotes, nem seus leigos, nem os casos de pederastia, nem os casos de misericórdia. Ninguém é maior do que ela. Porém, ser Papa a esta altura da história, é um ato de heroísmo (destes que se realizam diariamente em meu país e ninguém os nota). Eu me lembro sem dúvida da história do primeiro Papa. Um tal... Pedro. Como foi que morreu? Sim, numa cruz, crucificado como o seu mestre, só que de cabeça para baixo.
Nos dias de hoje, Ratzinger se despede da mesma maneira. Crucificado pelos meios de comunicação, crucificado pela opinião pública e crucificado por seus próprios irmãos católicos. Crucificado à sombra de alguém mais carismático. Crucificado na humildade, essa que custa tanto entender. É um mártir contemporâneo, destes a respeito dos quais inventam histórias, destes que são caluniados, destes que são acusados, e não respondem. E quando responde, a única coisa que fazem é pedir perdão. "Peço perdão por minhas faltas". Nem mais, nem menos. Que coragem, que ser humano especial. Mesmo que eu fosse um mórmon, ateu, homossexual ou abortista, o fato de eu ver um sujeito de quem se diz tanta coisa, de quem tanta gente faz chacota e, mesmo assim, responde desta forma... este tipo de pessoas já não existe em nosso mundo.
Vivo em um mundo onde é divertido zombar do Papa, porém é pecado mortal fazer piada de um homossexual (para depois certamente ser tachado de bruto, intolerante, fascista, direitista e nazista). Vivo num mundo onde a hipocrisia alimenta as almas de todos nós. Onde podemos julgar um sujeito que, com 85 anos, quer o melhor para a Instituição que representa. Nós, porém, vamos com tudo contra ele porque, "com que direito ele renuncia?" Claro, porque no mundo NINGUÉM renuncia a nada. Como se ninguém tivesse preguiça de ir à escola. Como se ninguém tivesse preguiça de trabalhar. Como se vivesse num mundo em que todos os senhores de 85 anos estivessem ativos e trabalhando (e ainda por cima sem ganhar dinheiro) e ajudando a multidões. Pois é.
Pois agora eu sei, senhor Ratzinger, que vivo em um mundo que irá achá-lo muito estranho. Num mundo que não leu seus livros, nem suas encíclicas, porém que daqui a 50 anos ainda irá recordar como, com um gesto simples de humildade, um homem foi Papa e, quando viu que havia algo melhor no horizonte, decidiu afastar-se por amor à Igreja. Morra então tranquilo, senhor Ratzinger. Sem homenagens pomposas, sem corpo exibido em São Pedro, sem milhares chorando e esperando que a luz de seu quarto seja apagada. Morra então como viveu, embora fosse Papa: humilde.
Bento XVI, muito obrigado por suas renúncias.